EDITORIAL – “AGORA EU ERA HERÓI”: A IMPORTÂNCIA DA SAÚDE MENTAL DA CRIANÇA PARA O ADULTO
Metadados
Tipologia documental
Título
EDITORIAL - “AGORA EU ERA HERÓI”: A IMPORTÂNCIA DA SAÚDE MENTAL DA CRIANÇA PARA O ADULTO
Autores
Carla Renata Braga de Souza
Resumo
O tempo da criança como herói do adulto se consolida nos diversos campos de saber a cada descoberta a respeito da importância dos anos iniciais da vida do ser humano, que se desdobram em políticas e práticas de cuidados. No entanto, a criança e o período dado a sua constituição, a infância, nem sempre foram alvo de preocupação na sociedade, a despeito do lugar que ocupam, atualmente, elas estavam à margem da história, em que não eram alvos de qualquer importância social ou afetiva.
Ariès (1978/2006) escreveu que, na sociedade medieval, as crianças eram negligenciadas pelos adultos, tanto pelo elevado índice de mortalidade quanto pelo fato de que as crianças eram vistas como improdutivas socialmente. Além disso, quando existia alguma lembrança dela, não passava de “uma figura marginal em um mundo adulto” (HEYWOOD, 2004, p.10), pois havia um desconhecimento do sentimento de infância tal qual se tem nos dias de hoje.
O que tanto Ariès quanto Heywood deflagraram é uma historicização diversa a respeito da criança e da infância na sociedade da época medieval, mostrando que essa noção mudou entre os séculos XIX e XX, em virtude do avanço socioeconômico e dos cuidados básicos de higiene aumentando a perspectiva de vida do ser humano e sua relação com a criança, que passou a ser vista como um indivíduo em desenvolvimento, que precisa de educação e cuidados para se tornar um adulto participante e contribuinte no modelo socioeconômico vigente.
A discussão a respeito da exata data histórica quando as crianças deixaram de ser adultos em miniaturas, criatura pecadora que merecia instrução, figura representante da dependência de outrem estão em acordo com a ideia de que à criança e ao infantil estão associados a ideia – quase certeza – de uma pureza e inocência.
Freud (1905/2017), quando lançou seu artigo “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, provocou um escândalo à sociedade da época ao afirmar a existência da sexualidade na criança, rompendo assim com os paradigmas da época, os quais ditavam a criança como um indivíduo dotado de pureza, santidade, inocência, pode-se afirmar que era então sagrado. Mas para Freud, a criança não deixou de ser inocente no que diz respeito à ingenuidade excessiva e ignorância, já que a criança é um sujeito ainda em constituição. Daí a afirmação de Freud (1905/2017) quando escreve que a criança é um perverso polimorfo, tratando sim da sexualidade infantil, a partir do momento em que esse sujeito é movido por um circuito pulsional.
Pode-se dizer que o que Freud antecipa é impossibilidade de compreender a sintomática do adulto sem fazer referência ao infantil que o habita. O sofrimento trazido pelo adulto à clínica retrata o lugar de onde fala o sujeito, ou seja, o lugar assumido após a castração e os desdobramentos psíquicos dessa posição diante do desejo. É à medida que a prática clínica se organiza com o arcabouço teórico da psicanálise que suspeitamos que não há como não fazer referência a esse momento constitutivo do sujeito e isso em nada tem a ver com a infância ou como ele a vivenciou.
Entende-se que a infância, tal como nos mostra as contribuições desenvolvimentistas e pediátricas está mais relacionada aos aspectos de aquisições próprias do desenvolvimento motor, social, cognitivo, maturacional, tal como propõe Winnicott, Vigotskk, Piaget, dentre outros. A psicanálise avança em relação a essas concepções no momento em que se atém ao infantil como substrato constituinte do sujeito.
Sob esta perspectiva, a psicanálise com crianças e, consequentemente, a psicoterapia com elas nasce juntamente com as técnicas utilizadas para seu atendimento, sobre isso, pode-se consultar Hermine von Hug-Helmuth, Anna Freud, Melanie Klein e Winnicott os quais são considerados pioneiros nessa clínica (COSTA, 2010, GEISSMANN & GEISSMANN, 1984, ROUDINESCO & PLON, 1998). Embora houvesse uma divergência teórica acerca do tratamento da criança, havia uma preocupação com as práticas de cuidado em torno dos anos iniciais da vida do ser humano.
Anna Freud, Melanie Klein e Winnicott são pós-freudianos reconhecidos por serem pilares da psicanálise com crianças, no entanto, retomo as articulações freudianas com outro pós-freudiano para trabalhar os desdobramentos na psicanálise com crianças, tendo como foco o sujeito do inconsciente.
Freud nos permite, ainda, atribuir ao infantil uma condição de ligação com os aspectos sociais, uma vez que são, também, as normas sociais que vão definindo os parâmetros sobre os quais repousam as leis de inserção cultural e definindo a força do recalque que é estruturado a partir do que os pais enunciam para a criança enquanto imposição necessária de renúncia às satisfação de seus desejos, para assim, adentrar ao mundo civilizatório.
Sabendo das possibilidades de futuras de sua teoria, Freud a reconhece como limitada, apesar de acreditar no desenvolvimento da ciência a respeito do que anunciava em sua obra, o lugar de destaque que o infantil assumia na constituição do sofrimento do sujeito, ou seja, na saúde mental do adulto: “Muita coisa de interesse liga-se a essas análises de crianças